segunda-feira, 11 de março de 2013

(Des)Arrumação



Arrumar -
(origem controversa)
v. tr.
1. Pôr (vários objetos) de modo que ocupem o menor espaço possível.
2. Pôr no lugar apropriado.


Faz parte da natureza humana viver sob alguma espécie de ordem. Dizem os astrólogos que os virginianos são seres de organização e eu, que tenho o prazer de viver com um (e ainda bem porque os taurinos estão mais vocacionados para outros focos de atenção), constato a sua veracidade. Mas a organização, tal como a qualidade intrínseca daqueles que nascem sob o signo solar Virgem, é muito mais do que uma mania levada ao extremo ou uma pequena obsessão pela previsibilidade daquilo que nos rodeia quanto ao seu lugar e à sua disposição. É uma maneira de estar e um caminho para uma forma muito específica de encontrar a nossa posição no centro do mundo, mais concretamente, do nosso mundo.

Quantos de nós, até os mais terrivelmente desarrumados (o meu virginiano tem o prazer de viver com alguém assim), já tivemos a necessidade súbita de encontrar uma ordem e uma organização num dado momento, num ambiente concreto e com a máxima urgência? Quantos de nós já tivemos a necessidade de arrumar o nosso espaço, mudar a disposição da desorganização que nos parecia tão ordeira da nossa secretária ou alterar rotinas enraizadas e que pareciam funcionar na perfeição? E quantos de nós não tivemos já a necessidade de remodelar a casa com a desculpa de que “a casa precisa de um novo ar”?

Chega um momento na vida, e para alguns chega com alguma frequência, em que a arrumação do espaço em que vivemos é um alerta a uma mudança profunda que urge, a uma reorganização do que está aparentemente em ordem ou tão concretamente desordenado. Na verdade, não é a nossa casa que precisa de um novo ar, somos nós que damos pelos nossos pulmões a respirar um ar saturado que contamina, controla os nossos movimentos e nos turva as ideias. Quando a desorganização impera dentro de nós, é quando o nosso planificador interno nos emite a mensagem da necessidade urgente de arrumar e de dispor no lugar apropriado aquilo que se encontra fora do seu local de origem. Esta necessidade de arrumação externa é um grito profundo, vindo de dentro de nós, que impele a uma organização interna, a um reconhecimento emocional daquilo que esperamos de nós próprios e do lugar que queremos ocupar na nossa vida. Esta necessidade de arrumação é uma oportunidade que concedemos a nós próprios de parar no momento certo e reequilibrarmos o que está confuso e difuso na nossa vida. E mesmo que não haja nada para colocar num sítio diferente, há um momento de pausa, de respiração profunda e de tomada de consciência. É como a sensação de nos sentirmos em casa, acolhidos pelo calor do lugar que nos conforta e que é perfeito tal como é, sem necessidade de mudanças ou reajustamentos.

“Arrumar a casa” é uma forma de organizar o pensamento e as emoções, de colocar cada coisa no seu devido lugar e esperar que também nos sintamos ordenados por dentro, como se a dita arrumação se pudesse refletir em nós. É como criar um índice emocional para nos ajudar a colecionar os pedaços soltos da nossa estrutura e assim aceder-lhes diretamente quando a dúvida nos assola.


Mas o dicionário não engana ao dizer que a arrumação tem origem controversa, porque aquilo que a ordem que criamos à nossa volta não nos diz é que os movimentos inversos à sua verdadeira natureza são contraproducentes. O controverso da sua definição vai para além da nossa perceção. Na verdade, a nossa perceção sobre os nossos movimentos é altamente condicionada pela expetativa que temos sobre nós mesmos. Mesmo um olhar mais autocrítico se recusaria a admitir para si mesmo a desorganização interior e o desalinhamento com a sua ordem natural. Sob o ponto de vista interessado, trata-se da necessidade de ocupar a mente para que o coração não sinta ou para que não olhemos para nós mesmos com frieza e honestidade. O que é facto é que arrumarmos o que nos é alheio ou que está fora de nós - a nossa casa ou a vida dos outros – nos mantém distraídos por um instante. O instante suficiente para nos enganarmos a nós próprios com um à vontade de quem não quer saber de si mesmo.

A arrumação que procuramos e esperamos encontrar não é algo de que se possa dispor por mero raciocínio lógico-mental nem seguindo linhas orientadoras de propósito decorativo. É uma imagem que se reflete em nós, criada em nós, e de nós para o exterior, e não o inverso. A arrumação que procuramos e de que verdadeiramente necessitamos é aquela cujos contornos são eficazmente definidos e que tem a capacidade de nos dispor numa linearidade organizada. A verdadeira arrumação é aquela que parte da coragem de olhar com frontalidade para a crua desorganização e dar-lhe primazia sobre qualquer outro artefacto mental. É a coragem de nos admitirmos desorganizados para, com simplicidade, sem toques de bom gosto, mas seguindo os princípios estéticos da alma, deixar que a desarrumação lá fora exista para nos arrumarmos a nós.



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