Arrumar -
(origem controversa)
(origem controversa)
v. tr.
1. Pôr (vários objetos) de modo que ocupem o menor espaço
possível.
2. Pôr no lugar apropriado.
Faz parte da
natureza humana viver sob alguma espécie de ordem. Dizem os astrólogos que os
virginianos são seres de organização e eu, que tenho o prazer de viver com um
(e ainda bem porque os taurinos estão mais vocacionados para outros focos de
atenção), constato a sua veracidade. Mas a organização, tal como a qualidade
intrínseca daqueles que nascem sob o signo solar Virgem, é muito mais do que uma
mania levada ao extremo ou uma pequena obsessão pela previsibilidade daquilo
que nos rodeia quanto ao seu lugar e à sua disposição. É uma maneira de estar e
um caminho para uma forma muito específica de encontrar a nossa posição no centro
do mundo, mais concretamente, do nosso mundo.
Quantos de nós,
até os mais terrivelmente desarrumados (o meu virginiano tem o prazer de viver com
alguém assim), já tivemos a necessidade súbita de encontrar uma ordem e uma organização
num dado momento, num ambiente concreto e com a máxima urgência? Quantos de nós
já tivemos a necessidade de arrumar o nosso espaço, mudar a disposição da
desorganização que nos parecia tão ordeira da nossa secretária ou alterar
rotinas enraizadas e que pareciam funcionar na perfeição? E quantos de nós não
tivemos já a necessidade de remodelar a casa com a desculpa de que “a casa
precisa de um novo ar”?
Chega um momento
na vida, e para alguns chega com alguma frequência, em que a arrumação do
espaço em que vivemos é um alerta a uma mudança profunda que urge, a uma reorganização
do que está aparentemente em ordem ou tão concretamente desordenado. Na
verdade, não é a nossa casa que precisa de um novo ar, somos nós que damos
pelos nossos pulmões a respirar um ar saturado que contamina, controla os
nossos movimentos e nos turva as ideias. Quando a desorganização impera dentro
de nós, é quando o nosso planificador interno nos emite a mensagem da necessidade
urgente de arrumar e de dispor no lugar apropriado aquilo que se encontra fora
do seu local de origem. Esta necessidade de arrumação externa é um grito
profundo, vindo de dentro de nós, que impele a uma organização interna, a um
reconhecimento emocional daquilo que esperamos de nós próprios e do lugar que
queremos ocupar na nossa vida. Esta necessidade de arrumação é uma oportunidade
que concedemos a nós próprios de parar no momento certo e reequilibrarmos o que
está confuso e difuso na nossa vida. E mesmo que não haja nada para colocar num
sítio diferente, há um momento de pausa, de respiração profunda e de tomada de
consciência. É como a sensação de nos sentirmos em casa, acolhidos pelo calor do
lugar que nos conforta e que é perfeito tal como é, sem necessidade de mudanças
ou reajustamentos.
“Arrumar a casa”
é uma forma de organizar o pensamento e as emoções, de colocar cada coisa no
seu devido lugar e esperar que também nos sintamos ordenados por dentro, como
se a dita arrumação se pudesse refletir em nós. É como criar um índice emocional
para nos ajudar a colecionar os pedaços soltos da nossa estrutura e assim
aceder-lhes diretamente quando a dúvida nos assola.
Mas o dicionário
não engana ao dizer que a arrumação tem origem controversa, porque aquilo que a
ordem que criamos à nossa volta não nos diz é que os movimentos inversos à sua
verdadeira natureza são contraproducentes. O controverso da sua definição vai
para além da nossa perceção. Na verdade, a nossa perceção sobre os nossos
movimentos é altamente condicionada pela expetativa que temos sobre nós mesmos.
Mesmo um olhar mais autocrítico se recusaria a admitir para si mesmo a
desorganização interior e o desalinhamento com a sua ordem natural. Sob o ponto
de vista interessado, trata-se da necessidade de ocupar a mente para que o
coração não sinta ou para que não olhemos para nós mesmos com frieza e
honestidade. O que é facto é que arrumarmos o que nos é alheio ou que está fora de nós - a nossa casa
ou a vida dos outros – nos mantém distraídos por um instante. O instante
suficiente para nos enganarmos a nós próprios com um à vontade de quem não quer
saber de si mesmo.
A arrumação que
procuramos e esperamos encontrar não é algo de que se possa dispor por mero
raciocínio lógico-mental nem seguindo linhas orientadoras de propósito decorativo. É uma imagem que se reflete em nós, criada em nós, e
de nós para o exterior, e não o inverso. A arrumação que procuramos e de que
verdadeiramente necessitamos é aquela cujos contornos são eficazmente definidos
e que tem a capacidade de nos dispor numa linearidade organizada. A verdadeira
arrumação é aquela que parte da coragem de olhar com frontalidade para a crua
desorganização e dar-lhe primazia sobre qualquer outro artefacto mental. É a
coragem de nos admitirmos desorganizados para, com simplicidade, sem toques de
bom gosto, mas seguindo os princípios estéticos da alma, deixar que a
desarrumação lá fora exista para nos arrumarmos a nós.
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