Sempre me considerei uma pessoa
de pessoas. A comunicação, o contacto e as relações humanas têm sido para mim
mais do que uma forma de relembrar a minha experiência vívida. As relações
humanas têm sido para mim uma forma de me recordar da minha própria condição,
mas, acima de tudo, uma forma de aprender, reconhecer padrões e aprofundar a consciência de algo que sempre pensei ser um conhecimento inato. As relações
humanas são tudo menos um conhecimento inato. São um desafio inconsciente e
involuntário, um salto no escuro que aceitamos dar, pensando que sabemos
exatamente onde vamos cair, esquecendo, inocentemente, que é um caminho sem
retorno. Cada relação que estabelecemos é uma pontuação que vamos acrescentando
ao nosso texto original. Mudam o sentido as nossas frases, prolongam as páginas
e vão reescrevendo a conclusão para sempre inacabada.
Sempre gostei de observar as
pessoas. Em grupos, sozinhas, os seus gestos, as suas manias, os risos, as
expressões, a forma de andar e a forma como esperam paciente ou impacientemente
pelo decorrer das suas vidas. Durante muito tempo observei, comparei-me a elas,
tentei, na minha ingenuidade, interpretar os seus sinais à luz dos meus. Uma
tremenda ilusão e ingratidão. Só mais tarde viria a reconhecer a magia dos
termos incomparáveis de cada pessoa, únicos a intransmissíveis. A vida foi-me
dando as oportunidades necessárias a transformar essa ingratidão numa
experiência de revelação, ajudando-me a compreender que é perante a indefinição
dos outros, os seus segredos e os seus silêncios, que nos definimos a nós, não
como um oposto ou diferença, mas como um complemento.
Hoje em dia continuo a gostar de
observar os outros e faço-o de forma inconsciente. Mas mais do que observar,
gosto do contacto direto, da partilha de ideias, de experiências e da conquista
da confiança e da intimidade. Gosto sobretudo do momento em que se sente que já
se deu o salto no escuro e que, a partir dali, já nada vai ser igual. É talvez
o momento em que se coloca uma vírgula. Quem sabe um ponto final para poder
começar uma nova frase.
Tenho aprendido com a vida, e
talvez por isso tenha escolhido a minha profissão, que o mais importante da
vida é aquilo que damos aos outros e o que aceitamos receber. Honestamente, não
sei qual das duas tarefas é a mais difícil ou mais desafiante. Para começar, há
um ponto que para mim é irrefutável: recebemos o que damos. A um nível mais
extremo e mais simplificado, somos aquilo que os outros são, não para nós, mas
em relação a nós e, no fundo, aquilo que são para si mesmos. Dito de outro de
modo, não há possibilidade alguma de eu ser para alguém aquilo que não sou para
mim. O meu modo de ser para com aqueles que encontro no meu caminho não é mais
do que uma via de autodefinição, um assumir de consciência e realidade pessoal
perante uma realidade conjunta e relacional. E sob este ponto de vista, tão
desafiante é receber como dar, pois jamais estarei recetiva a algo que não
esteja predisposta a dar, reunindo para tal todas as partes de mim, ínfimas, inclusas
e reunidas num puzzle de infinitas peças.
As relações são a magia de todos
os dias. São a parte que esquecemos de nós próprios e que aceitamos
reconhecer como uma dádiva e algo quem tem de acontecer. A família, as amizades,
os amores - platónicos ou físicos - são a nossa versão pública e o espelho da
nossa certeza mais profunda. Ilusão é pensar que as relações que vamos tendo e
os laços que vamos criando são ao acaso e que não nos definem. São um ato de
pura autodefinição com consequente aceitação daquilo que somos, que queremos
ser ou desejamos ser – um desafio consciente à nossa recriação. Não há
casualidade nos encontros da vida, há sim causalidade. Eu sou isto, quero ser
aquilo e sinto-me assim. Encontro-te a ti, perfeito e desenhado ao pormenor das
minhas necessidades, aquelas que aceitas como que impostas pelo destino,
escolhidas para saciar aquilo de que precisas.
Honestamente, e enquanto pessoa
de pessoas, abraço com um sorriso no coração todos os encontros que a vida me dá.
Não nego as minhas escolhas e orgulho-me das relações que escolhi criar, das
que permiti que voassem mais alto que as minhas expetativas e, inclusivamente,
das que terminei, deixando em mim o seu melhor, decididas a findar no momento
certo. As razões são as minhas razões e as mesmas que foram a força motivadora
da sua criação.
Aceito a minha vida como um livro
por escrever, sedento de todas as vidas e de todos os livros em branco que queiram
que eu os pontue e, em troca, ajudar-me a pontuar o meu. Aceito e abraço todas as vírgulas e pontos finais
que se queiram juntar à minha história para a deixar mais rica, pontuada e
eternamente interminável.
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