Na vida há que saber-se estar. Há
que saber respirar. Há que saber sentir e sentir-se.
Na vida é preciso procurar
momentos de silêncio, de paz com a alma e com o mundo. Cada minuto na vida deve
ser tragado como um pedaço de prazer com que nos deliciamos. Cada minuto deve
ser o minuto na vida que receamos não viver, experienciado até ao último segundo
e, nós, sedentos de todas as horas por vir, nos imensos dias que nos restam.
Viver, seja de que forma for, com
os mais distintos caminhos que nos propomos seguir ou perder, é a nossa
definição de puro merecimento. Viver é a aceitação tácita da declaração da
nossa existência.
Podemos optar por saborear a vida
e sentir o seu fluxo percorrer-nos ou assistir, enquanto meros observadores, à
nossa passagem por ela, como vítimas de um destino que nos é alheio. É um risco
enorme que se corre deixar que a vida corra por um qualquer percurso sem
destino. Não saber para onde vamos, e, sobretudo, aonde nos dirigir, é não
saber merecer o benefício que a vida é, na sua imensa beleza e distinção.
Poucos de nós vivem com confiança
no seu caminho. Poucos de nós vivem agradecidos à vida pelo que se recebe.
Felizmente, cada vez são mais os que reconhecem a importância de uma existência
feliz, determinada e realizada. Mas o difícil na vida, mais do que descobrir o
que de bom a vida tem, é saber-se merecê-lo, com confiança e convicção do que
se merece e de que, todo o bem que nos sorri, nos é devido por direito.
Durante muito tempo, e à
semelhança das realidades alheias que tenho observado, não soube merecer o que
a vida me dava. Era tão fácil queixar-me do que não tinha, do que me faltava e
do que queria ter que, quando – efetiva e merecidamente – as obtinha, não as
sabia reconhecer como valor meu. Não é fácil recebermos de braços abertos as
bênçãos que vêm até nós quando não estamos habituados a sentirmo-nos
preenchidos. É preciso abrir o coração e querer amor. É preciso que se esqueçam
as dores, os apegos e as faltas para receber dentro de nós o bem que se quer
receber. Acima de tudo, é preciso uma boa dose de amor-próprio. Olhar no
espelho e saber que há um valor intrínseco que não advém de reconhecimento
alheio, mas, sim, do dom de se existir e das boas qualidades que todos, sem
qualquer exceção, possuímos. Amarmo-nos desta forma é abrir o caminho a que
vida nos sorria sem reticências. É, também, a nossa forma de dizer à vida que
queremos ser felizes, que nos queremos perder – tranquilos e confiantes – em
todo o bem que há. Se não soubermos apreciar todas as nossas alegrias, não
podemos merecer com convicção o que desejamos. Mostrarmo-nos convictamente merecedores
é a nossa retribuição perante a vida e perante as oportunidades que nos são
dadas.
Durante todo o tempo que não
soube merecer a vida, tive medo. O medo é a pior armadilha de todas as
armadilhas. É um caminho errado quando tudo dentro de nós grita para irmos no
sentido contrário. As más emoções são a nossa orientação no caminho inverso do
do medo. São a indicação de que algo não está bem, de que é preciso dar atenção ao
que sentimos, reavaliar o caminho percorrido e ousar escolher diferente. A
falta, a perda, o luto e o sofrimento do não merecimento é o medo disfarçado,
corrompendo a nossa natureza amorosa e sábia que nos dirige, insistentemente,
no caminho do amor.
Ousar pensar diferente. Ousar
fazer diferente. Ousar ser diferente. Arriscar um passo em frente, diferente do
modo de estar que conhecemos, é o primeiro movimento no encontro do
merecimento. Primeiro desconstrói-se o padrão antigo, depois ultrapassa-se a
estranheza e aceita-se sorrir às novas emoções para, de seguida, darmos por nós
numa dança flutuante de bem-estar e felicidade, subtil ao olhar comum e imensa
dentro de nós.
Abraçar a vida deste modo é um
saber viver com coragem. É um imenso ato de coragem querer-se bem, a nós
próprios, às nossas escolhas e à nossa verdade. Ter um olhar destemido perante
a nossa realidade e assumir tudo o que merecemos, sem desvalorizar ou repensar
que não deveríamos ter tamanho gozo ou ser tão imensamente felizes. Os pequenos
momentos tornam-se os maiores, plenos de gaudio e exultação. A alegria, o bem-estar
e o peito cheio de coisas boas passamos a ser nós, merecedores que somos do bem
que aceitamos ser.
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