terça-feira, 16 de abril de 2013

História de um amor diferente



Esta poderia ser uma história como outra qualquer. Poderia ser uma história de amor. Na verdade é uma história de amor, mas é uma história de amor diferente. É a história de um amor diferente. Apetece-me contar-vos como se de uma história se tratasse pois há nas histórias o encantamento do fantástico, daquilo que parece apenas acontecer nos livros e como fruto da imaginação de alguém que relata nas palavras o milagre que acontece no coração. Mas esta minha história é mais do que uma fantasia imaginada. É uma realidade que me aquece a alma todos os dias e cada dia um pouco mais. É a realidade de um amor que vive de coração cheio e que aprende a ser cada dia maior, contrariando as regras que o definem como um atributo meramente humano e que carece de um qualquer nível de racionalidade. Nesta minha história real há pouca ou nenhuma racionalidade. Há, sim, um destino marcadamente traçado, delineado com o propósito de mudar a minha vida e fazer-me compreender o tremendo vazio que existe no coração, pronto a ser preenchido com as mais diversas formas de amar.

Bem, a história… Esta história poderia começar como qualquer outra história de amor, mas, como está bom de ver, não começa! Inclusivamente, tenho dias em que me pergunto como começou, de facto, a história deste amor… Pergunto-me se terá alguma vez tido início, ou se não será meramente a continuação de um amor mais do que vivido e determinado a perpetuar-se através do tempo…  

Quem me conhece desde sempre sabe que nunca fui fã de gatos. Não que desgostasse dos felinos, mas porque as poucas experiências que tive com estes animais especiais foram em circunstâncias pouco amigáveis e que contribuíram para aumentar os meus medos e anticorpos. Sempre fui fã de cães e uma das minhas grandes companheiras de adolescência foi uma Pinscher maravilhosamente ruidosa que fez e continua a fazer as delícias da família. Mais tarde, enamorei-me avassaladoramente de uma rafeira de pelo preto brilhante, coração de mel e olhar de gente. Adotei-a passando pelo penoso processo de espera, à semelhança de como imaginamos o processo de adoção de um filho. Escolhi-a por foto, comecei por visitá-la aos fins de semana na família de acolhimento temporário em que se encontrava e só quando senti que também ela me tinha adotado é que finalmente a trouxe para aquele que viria a ser o nosso lar. Foi ela que me acompanhou na desafiadora tarefa de dar o salto da emancipação e, juntas, fomos companheiras imparáveis nas cruzadas domingueiras de sofá, com direito a filmes e pipocas. 

Mas a minha história só começa aqui, comigo e com o meu medo de gatos prestes a ser desconstruído para tornar-se algo completamente oposto. O amor pelos cães, esse mantém-se. A história começa num qualquer dia de Verão em que me cruzo com um gato preto, ronroneiro e deliciosamente descarado, que ignora o meu medo e me pergunta entre miados e turras se estou preparada para o levar comigo. Entre dúvidas e receios opto por fazer um pacto com o Universo e combinar o destino com o pequeno felino: “Vou jantar ali àquele restaurante. Se quando voltar estiveres por aqui, vais comigo para casa”. Desnecessário será dizer que o Universo funciona de formas muito mais interessantes e especiais do que aquelas que me decido inventar e que, quando saí do restaurante, o meu prometido novo amor não estava nem por perto. Revelou-se muito mais penosa a falta de o voltar a ver ali, no lugar em que tínhamos marcado reencontro, do que a aparente falha do Universo perante o acordo que pensei ter sido tão justamente firmado. Os dois dias seguintes foram passados de ronda às ruas circundantes, na esperança que tivesse havido uma pequena falha de comunicação e o meu pequenito amigo tivesse entendido algo como “Vou ali jantar, entretanto vou torturar-me num compasso de espera de um ou dois dias, e volto para te vir buscar”, ou que o Universo tivesse, pura e simplesmente, ignorado aquilo de que nem eu própria me dava conta - que o pequeno felino tinha despertado em mim algo que eu desconhecia. 

Não consigo precisar o tempo que tardou a espera interminável entre esse dia e o momento em que o Universo decidiu que eu já tivera aprendido a lição para colocar no meu caminho aquele que se revelaria o maior devorador de afetos que alguma vez conheci. Duas semanas terá sido o tempo necessário para me surpreender a mim mesma com um desejo profundo de que aquela pequena bola de pelo enchesse os meus dias de travessuras, ronrons e um espaço vazio em mim que eu nem sabia existir. Duas semanas terá sido o tempo necessário para que esse meu desejo fosse satisfeito e o meu Sushi aparecesse duas ruas atrás da minha, abandonado do coração de alguém para se aninhar no meu e fazer para sempre parte da minha vida. Nenhum acaso, sincronicidade, ou o que lhe queiramos chamar, me pareceu mais perfeito do que aquela casualidade. 

É um facto que quanto mais amor se sente, maior é a necessidade de preencher a nossa vida com o que de melhor ela tem. A presença do Sushi na minha vida deu-me um entendimento maior dos limites infinitos que o amor pode ter na nossa vida. Secretamente, para que ninguém notasse e eu própria o conseguisse esconder de mim, ultrapassei diariamente as metas dos meus medos, começando com a primeira palmada dada em estado de desespero – aquela que sempre jurei nunca conseguir dar a um gato – quando vi a primeira e única peça de mobiliário destratada para que a minha bola de pelo afiasse as suas unhas. Depois da palmada surgiu o dedo apontado aos disparates prontos a serem feitos por qualquer canto da casa – entenda-se, nos cantos mais inimagináveis da casa -, o olhar recriminatório acompanhado de um “Sushi” devidamente pronunciado, até dar por mim inundada em ternura e perdida nos carinhos restritos e devidamente escrutinados que a minha bola de pelo me concede. 

Poucos meses passaram até que me desse conta de que, devidamente habituada à nova rotina diária e incrivelmente mudada a dinâmica familiar, haveria espaço para dar uma companheira ao Sushi, e assim poupar os meus pés de serem brinquedos perfeitos para as dentadas. Veio então a Sashimi, envolta em mistério e doçura disfarçada de independência e com olhar de “gato das botas”.

Quem tem gatos sabe que este é um amor especial, parecido em tanta coisa com o amor humano, mas mais confiável, sincero e verdadeiro, ainda que com o devido desafio da conquista. A chegada do Sushi e da Sashimi à minha vida não foi um desejo racionalizado, nem um impulso inconsciente. Foi antes um desejo inconsciente, mas maturado, vindo diretamente do coração e em resposta ao destino. Hoje, posso dizer orgulhosa que também eles são parte da família. Com eles, tenho aprendido mais sobre as relações humanas por contraponto ao meu relacionamento com eles. Na verdade, cada vez mais entendo o valor do respeito pelo espaço do outro, pelo tempo do outro e pelas necessidades de afeto expressas de forma única e pessoal. Com os meus gatos é assim; há um respeito mútuo, um tempo que é de cada um e os afetos são aquilo que expressamos quando o coração assim o entende de tão sábio que é.

Se me perguntassem se algum dia teria gatos, certamente a resposta seria não. Se me perguntassem se poderia alargar a minha família a dois felinos e adorá-los do fundo do coração, provavelmente a resposta seria negativa. Mas, ao escrever esta minha história, compreendo agora que a vida tem uma forma subtil e encantadora de nos surpreender. Compreendo, acima de tudo, que o amor é um lugar inesperado de tão imenso que é, capaz de transformar pensamentos e verdades absolutas para, do inconvencional, criar bonitas histórias de amor.


2 comentários:

  1. Linda a tua história de amor...de um amor verdadeiro!
    Sei tão bem o que sentes:)
    Bjs
    S.

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    1. Obrigada querida! Partilhamos ambas destes amores imensos!!! <3

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