Esta poderia ser uma história como
outra qualquer. Poderia ser uma história de amor. Na verdade é uma história de
amor, mas é uma história de amor diferente. É a história de um amor diferente. Apetece-me
contar-vos como se de uma história se tratasse pois há nas histórias o
encantamento do fantástico, daquilo que parece apenas acontecer nos livros e
como fruto da imaginação de alguém que relata nas palavras o milagre que
acontece no coração. Mas esta minha história é mais do que uma fantasia
imaginada. É uma realidade que me aquece a alma todos os dias e cada dia um
pouco mais. É a realidade de um amor que vive de coração cheio e que aprende a
ser cada dia maior, contrariando as regras que o definem como um atributo
meramente humano e que carece de um qualquer nível de racionalidade. Nesta
minha história real há pouca ou nenhuma racionalidade. Há, sim, um destino
marcadamente traçado, delineado com o propósito de mudar a minha vida e fazer-me
compreender o tremendo vazio que existe no coração, pronto a ser preenchido com
as mais diversas formas de amar.
Bem, a história… Esta história poderia
começar como qualquer outra história de amor, mas, como está bom de ver, não
começa! Inclusivamente, tenho dias em que me pergunto como começou, de facto, a
história deste amor… Pergunto-me se terá alguma vez tido início, ou se não será
meramente a continuação de um amor mais do que vivido e determinado a
perpetuar-se através do tempo…
Quem me conhece desde sempre sabe
que nunca fui fã de gatos. Não que desgostasse dos felinos, mas porque as
poucas experiências que tive com estes animais especiais foram em
circunstâncias pouco amigáveis e que contribuíram para aumentar os meus medos e
anticorpos. Sempre fui fã de cães e uma das minhas grandes companheiras de
adolescência foi uma Pinscher maravilhosamente ruidosa que fez e continua a
fazer as delícias da família. Mais tarde, enamorei-me avassaladoramente de uma
rafeira de pelo preto brilhante, coração de mel e olhar de gente. Adotei-a
passando pelo penoso processo de espera, à semelhança de como imaginamos o processo
de adoção de um filho. Escolhi-a por foto, comecei por visitá-la aos fins de
semana na família de acolhimento temporário em que se encontrava e só quando
senti que também ela me tinha adotado é que finalmente a trouxe para aquele que
viria a ser o nosso lar. Foi ela que me acompanhou na desafiadora tarefa de dar
o salto da emancipação e, juntas, fomos companheiras imparáveis nas cruzadas domingueiras
de sofá, com direito a filmes e pipocas.
Mas a minha história só começa
aqui, comigo e com o meu medo de gatos prestes a ser desconstruído para
tornar-se algo completamente oposto. O amor pelos cães, esse mantém-se. A
história começa num qualquer dia de Verão em que me cruzo com um gato preto,
ronroneiro e deliciosamente descarado, que ignora o meu medo e me pergunta
entre miados e turras se estou preparada para o levar comigo. Entre dúvidas e
receios opto por fazer um pacto com o Universo e combinar o destino com o
pequeno felino: “Vou jantar ali àquele restaurante. Se quando voltar estiveres
por aqui, vais comigo para casa”. Desnecessário será dizer que o Universo
funciona de formas muito mais interessantes e especiais do que aquelas que me
decido inventar e que, quando saí do restaurante, o meu prometido novo amor não
estava nem por perto. Revelou-se muito mais penosa a falta de o voltar a ver
ali, no lugar em que tínhamos marcado reencontro, do que a aparente falha do
Universo perante o acordo que pensei ter sido tão justamente firmado. Os dois
dias seguintes foram passados de ronda às ruas circundantes, na esperança que
tivesse havido uma pequena falha de comunicação e o meu pequenito amigo tivesse
entendido algo como “Vou ali jantar, entretanto vou torturar-me num compasso de
espera de um ou dois dias, e volto para te vir buscar”, ou que o Universo
tivesse, pura e simplesmente, ignorado aquilo de que nem eu própria me dava conta
- que o pequeno felino tinha despertado em mim algo que eu desconhecia.
Não consigo precisar o tempo que
tardou a espera interminável entre esse dia e o momento em que o Universo
decidiu que eu já tivera aprendido a lição para colocar no meu caminho aquele
que se revelaria o maior devorador de afetos que alguma vez conheci. Duas semanas
terá sido o tempo necessário para me surpreender a mim mesma com um desejo
profundo de que aquela pequena bola de pelo enchesse os meus dias de
travessuras, ronrons e um espaço vazio em mim que eu nem sabia existir. Duas
semanas terá sido o tempo necessário para que esse meu desejo fosse satisfeito e
o meu Sushi aparecesse duas ruas atrás da minha, abandonado do coração de
alguém para se aninhar no meu e fazer para sempre parte da minha vida. Nenhum
acaso, sincronicidade, ou o que lhe queiramos chamar, me pareceu mais perfeito
do que aquela casualidade.
É um facto que quanto mais amor
se sente, maior é a necessidade de preencher a nossa vida com o que de melhor
ela tem. A presença do Sushi na minha vida deu-me um entendimento maior dos
limites infinitos que o amor pode ter na nossa vida. Secretamente, para que
ninguém notasse e eu própria o conseguisse esconder de mim, ultrapassei
diariamente as metas dos meus medos, começando com a primeira palmada dada em
estado de desespero – aquela que sempre jurei nunca conseguir dar a um gato –
quando vi a primeira e única peça de mobiliário destratada para que a minha
bola de pelo afiasse as suas unhas. Depois da palmada surgiu o dedo apontado
aos disparates prontos a serem feitos por qualquer canto da casa – entenda-se,
nos cantos mais inimagináveis da casa -, o olhar recriminatório acompanhado de
um “Sushi” devidamente pronunciado, até dar por mim inundada em ternura e
perdida nos carinhos restritos e devidamente escrutinados que a minha bola de
pelo me concede.
Poucos meses passaram até que me
desse conta de que, devidamente habituada à nova rotina diária e incrivelmente
mudada a dinâmica familiar, haveria espaço para dar uma companheira ao Sushi, e
assim poupar os meus pés de serem brinquedos perfeitos para as dentadas. Veio então
a Sashimi, envolta em mistério e doçura disfarçada de independência e com olhar
de “gato das botas”.
Quem tem gatos sabe que este é um
amor especial, parecido em tanta coisa com o amor humano, mas mais confiável,
sincero e verdadeiro, ainda que com o devido desafio da conquista. A chegada do
Sushi e da Sashimi à minha vida não foi um desejo racionalizado, nem um impulso
inconsciente. Foi antes um desejo inconsciente, mas maturado, vindo diretamente
do coração e em resposta ao destino. Hoje, posso dizer orgulhosa que também eles
são parte da família. Com eles, tenho aprendido mais sobre as relações humanas por
contraponto ao meu relacionamento com eles. Na verdade, cada vez mais entendo o
valor do respeito pelo espaço do outro, pelo tempo do outro e pelas necessidades
de afeto expressas de forma única e pessoal. Com os meus gatos é assim; há um
respeito mútuo, um tempo que é de cada um e os afetos são aquilo que
expressamos quando o coração assim o entende de tão sábio que é.
Se me perguntassem se algum dia
teria gatos, certamente a resposta seria não. Se me perguntassem se poderia
alargar a minha família a dois felinos e adorá-los do fundo do coração,
provavelmente a resposta seria negativa. Mas, ao escrever esta minha história,
compreendo agora que a vida tem uma forma subtil e encantadora de nos surpreender.
Compreendo, acima de tudo, que o amor é um lugar inesperado de tão imenso que
é, capaz de transformar pensamentos e verdades absolutas para, do
inconvencional, criar bonitas histórias de amor.
Linda a tua história de amor...de um amor verdadeiro!
ResponderEliminarSei tão bem o que sentes:)
Bjs
S.
Obrigada querida! Partilhamos ambas destes amores imensos!!! <3
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