Desengane-se quem pensa e
acredita que não anda de mãos dadas com a vida. Acreditar que esta é uma
caminhada de passos solitários é uma falácia tremenda e de provas irrefutáveis.
A vida é a nossa companheira inseparável, amiga de todos os momentos e em todas
as circunstâncias.
Durante os últimos dias, e depois
do post que escrevi a propósito das mudanças que empreendi para estar de bem
com a vida, tenho estado atenta às relações que vejo as pessoas à minha volta estabelecerem
com as suas vidas, pois creio ser essa a relação primária e responsável pela
forma como nos revemos, ou não, naquilo em que nos tornamos.
Existem dois tipos de relações
que podemos assumir: o compromisso apaixonado, confiante, mas pouco sério e o
compromisso preocupado, desconfiado e tenso. Em ambos os relacionamentos somos
o elemento decisivo do casal, assumimo-lo com as premissas definidas por nós e o
que varia é a expetativa acerca do retorno que se obtém, bem com o curso que
esperamos que a relação tome.
No primeiro tipo de
relacionamento, intenso como a paixão deve ser, há uma confiança plena no
objeto amado, confiamos que o amor nos é devolvido de forma igual, sem traições
nem motivos de dúvida. Nada nos é tirado, ganhamos em amar e confiar e ainda
nos divertimos com este amor leve, sincero, juvenil e descontraído. Dito de
outra forma, confiamos no processo da vida. Confiamos que o retorno que temos
desta paixão imensa é um espelho da confiança que nela depositamos e do amor
que lhe damos gratuitamente. Não há compensações, há, sim, um respeito mútuo e
uma troca ou partilha infinitamente sentidas, pois sabemos que a vida não nos
falha, está lá para nós, para nos apoiar e amar, independentemente das nossas
escolhas. E mesmo quando falhamos, a vida é complacente e oferece-nos a
oportunidade de repensarmos e nos redefinirmos perante a relação.
No segundo tipo de relacionamento
há uma inquietação desconcertante. Há uma preocupação extrema, camuflada de um “não
preciso de ti”, quando, na verdade, o que se quer é a certeza de que a outra
parte não nos vai deixar num sofrimento isolado, sem o apoio de que
necessitamos para nos reestabelecermos ou nos relembrarmos do quem somos. Neste
tipo de relacionamento, o que a vida nos oferece de bom é um direito adquirido.
Não há causalidade na forma como a tratamos, mas há uma má vontade da vida em
nos maltratar ao não nos dar o que cremos ser nosso por direito. Neste caso,
não andamos de mãos dadas com a vida, andamos em caminhos desencontrados, num
labirinto gigantesco e sem reencontro possível à vista.
Dizem os psicólogos deintervenção precoce que a criança que cresce num chamado “círculo de segurança”,
revela-se mais empática, com uma autoestima mais elevada e uma melhor relação
com as suas próprias emoções. Este círculo de segurança é a relação
estabelecida entre pais e filhos, representando os pais o elemento que promove
a segurança necessária a um crescimento saudável, um ponto de abrigo que
aconchega, que incentiva, valida as emoções positivas e ajuda a processar as
emoções mais negativas. Os pais que fazem parte do círculo de segurança apoiam
de perto quando a criança precisa, mas também sabem apoiar com o devido
distanciamento para que a criança consiga explorar para além da sua zona de
conforto. De uma perspetiva distinta e igualmente válida, este deveria ser o
princípio básico para qualquer relação que estabeleçamos na vida. Todas as
relações deveriam ser desenvolvidas em torno da confiança e da segurança que
nos permite acudir quando necessário, sabendo que há do outro lado quem nos
escute e nos ajude a procurar o melhor caminho.
Quão importante seria
estabelecermos um idêntico círculo de segurança, não somente com quem nos
acolhe e com quem partilhamos as nossas experiências, mas, sobretudo, com a
nossa vida? Isto é, fazermos da própria vida o abraço que nos aguarda após as
tentativas falhadas, a mão que nos afaga a cabeça quando a desilusão se revela
o resultado de expetativas defraudadas, o sorriso que nos saúda após os nossos
sucessos e o olhar distante, mas orgulhoso, que observa a coragem em assumirmos
a nossa verdade perante o mundo. Se fizéssemos da nossa relação com a vida uma
relação de segurança, uma zona de conforto que não nos prende a horizontes
limitados e impeditivos de ver mais além, quão melhor seria a nossa relação
connosco próprios e, em consequência, com aquilo que mostramos de nós ao mundo?
A relação com a vida nem sempre é
uma relação harmoniosa. Existem momentos em que a vida deve ser brevemente
cruel, tão breve quanto a nossa capacidade de resposta e reação, para nos
demonstrar que o caminho em que seguimos é um caminho possível – como o são
todos - mas que não é o caminho que honra as nossas verdadeiras possibilidades.
É nestas alturas que devemos aprender a distanciarmo-nos dos nossos medos,
abrir espaço ao círculo de segurança e confiar verdadeiramente.
A relação com a vida pode nem
sempre ser uma relação harmoniosa, mas é uma relação estável, concreta e da
qual não podemos nunca desistir. Dar a mão à vida é a oportunidade que temos de
saber e sentir que, aconteça o que acontecer, estaremos no trilho certo, pois,
algures no caminho, aguardarão por nós as maiores realizações e o entendimento
do quão certo tudo funciona.
Sem comentários:
Enviar um comentário