quarta-feira, 10 de abril de 2013

Memórias de ti



Hoje, abraçou-me a memória de ti. Senti no fundo do peito a ternura de teres existido na minha vida. Como uma brisa suave e amena que me passa pelo rosto, a tua memória limpa-me a alma do cansaço que o tempo sem te ter comigo me deixou. É uma pena pequena, bem mais pequena, a falta que me fazes do que a paz que me dão estes encontros contigo. No silêncio nos encontramos e no vazio imenso da alma nos saudamos. Conversamos por momentos incontáveis e é nesses momentos que sei que nunca partiste. Dizes-me em segredo que este é um tempo nosso, um aconchego que nos damos mutuamente – tu devolves-me a calma de saber que tudo aqui faz sentido e eu devolvo-te a serenidade de saber que estamos cada vez mais perto uma da outra.


Sinto bem vivas, em mim, as memórias da tua existência. É de tal forma irreal a ideia de que já tenhas partido que nem hesito em duvidar que continuas tão presente como sempre estiveste. A distância que nos separa é a distância de um sopro, de um calafrio e do segundo em que se fecham os olhos para sentir com os sentidos do coração. É uma distância que não compromete os nossos abraços e que permite que nos abracemos sem nos movermos, sentindo apenas em nós o calor desse amor que desafia as barreiras da vida.


Tenho saudades tuas. Tenho saudades da forma sábia, paciente e atenta com que encaravas a vida. Nunca te vi baixar os braços nas adversidades e vi-te, muitas vezes, abrir o coração à tolerância. Foste um exemplo de persistência, de aceitação, de coragem e de confiança. Ensinaste-me, com a tua forma particular de inspirar, que a vida é apenas um pedaço de nós que constrói o legado que deixamos no mundo. Deste um pouco de ti a todos os que pela tua vida ousaram passar, e não lhes deste mais do isso. O pouco que deste foi o tanto que partilhaste da tua imensa sapiência. Sabias mais do que todos e continuas a saber. Tenho saudades da tua voz pronunciada, do teu sentido de humor refinado, da ironia que usavas para fazer troça dos desarranjos da vida e das tuas opiniões demonstrativas da inteligência que não se aprende com nenhuma licenciatura, senão com a experiência. Soubeste confiar quando tudo o que se podia fazer era duvidar e não hesitaste em entregar-te de olhos fechados ao que a vida tinha reservado para ti. Não te vi sorrir da vida, mas vi-te sorrir à vida. Viveste com o coração a transbordar de amor e a vida devolveu-te os muitos dias, os noventa e quatro anos, em que estiveste cá para mim, para nós e para quem quisesse aprender com as tuas histórias e exemplo.

Foi nos teus olhos que encontrei o caminho para todas as dúvidas e a certeza de todos os caminhos percorridos. Todas as tuas palavras foram a voz de uma consciência maior, mas foi nos teus silêncios que me falaste daquilo que sempre hesitei em compreender. A tua tranquilidade foi a transparência que não soube descodificar. Tinhas em ti todas as certezas que se pode ter e viveste segura da fonte que brotava dentro de ti. Era essa a magia constante do teu olhar e que exibias de forma honesta, singela e genuína. É nestes nossos encontros, nestes nossos momentos de lembrança mútua, que te digo que agora compreendo. Há uma razão por detrás de todas as nossas razões e que dá tanto sentido à vida. Não há limites, barreiras, nem fins nem começos para aquilo que somos. Somos uma eternidade divina que existe da forma mais perfeita. Aquilo a que chamamos morte é um passo que damos na consagração da nossa magnificência. Do outro lado da vida há um lugar de amor imenso, e nesse lugar só há amor. É desse outro lado da vida que me acenas, me acarinhas, me sorris e me fazes sorrir-te de volta.


Hoje lembro-me de ti mais do que ontem e do que me lembrarei amanhã. Os dias são espaços de tempo demasiado pequenos para tanto amor e a vida é amiga, mas exige demasiado de quem insiste em viver nesta forma física. Nos dias em que me lembro assim de ti, agarro com todas as minhas forças essas lembranças doces para que me deixem sempre mais um pedaço teu e me ajudem a remendar este rasgo no meu coração que teima em não compreender os propósitos elevados da alma. Sentir-te de tal modo perto, tão perto que te fundes na minha existência, é esquecer tudo o que uma vez aprendi sobre a morte, e abrir espaço a um entendimento mais sábio e eterno. O amor que se constrói entre as almas é um amor que não se esgota nunca. É um vórtice de criação que nos transcende e nos leva para além dos limites inimagináveis da própria vida. 


Hoje, no dia em que a tua memória me abraça, sei que não te perdi pois é impossível perder algo que faz parte de nós. A genética deixou em mim os traços daquilo que foste e o destino levou-me a aproximar-me mais da tua verdade. Apropriei-me dela e sei que te orgulhas de mim quando reinvento a minha vida com a mesma coragem com que viveste a tua. Consola-me a certeza de que viveste a vida da forma a que te propuseste vivê-la, enlaçando no teu colo as dores, as penas, as perdas e as conquistas, as alegrias e a luz dos dias. Foste, desde o dia em que te conheci e me embalaste no teu colo - como só as avós sabem fazer - até ao dia que me contaste a última piada e, de seguida, fechaste os olhos, a mulher que sempre soube que serias. Foste a mais magnânima das pessoas que existiram na minha vida e hoje, na distância inexistente que nos separa, continuas a ser a luz que me guia. Sei que estás aqui sempre e que esperas, de forma sábia, paciente e atenta, que dias como o de hoje aconteçam, para que, desse lugar onde existe amor e só amor, venhas reunir-te comigo para me ajudares a não esquecer-te nunca.







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