domingo, 24 de fevereiro de 2013

A pele dos outros



Uma das minhas grandes tarefas enquanto numeróloga é ajudar quem me procura a entender o seu caminho de vida, o propósito da sua existência como um fim supremo. Na verdade, é mais do que uma tarefa, é algo que transcende o meu trabalho e que incorporo na minha vida como uma missão. 

Durante os mais críticos e instrutivos anos da minha vida, entenda-se o período caótico da adolescência, debati-me com as constantes crises existenciais, próprias da idade e tão especiais, acerca do entendimento da vida, em particular a minha, a um nível que nem eu própria entendia ser tão imensamente profundo. A inocência, a inconstância e a visão turva, dignas de quem começa a habituar-se a esta vida e à sua própria pele, não permitiam mais do que questionar-me, sabendo no meu íntimo, mesmo que de forma inconsciente, que o doloroso, longo e gratificante caminho do entendimento se perfilava ainda tão distante. A adolescência é incauta e maravilhosamente cega, permitindo-nos apenas ver através dos olhos e negligenciando a visão sábia do coração.

Hoje em dia, decorridos anos da era dos porquês disfarçados, cheguei à fase da verdadeira procura, aquela que se define todos os dias, não olhando para mim, mas olhando para o que me rodeia, em especial olhando para todos os que formam e cocriam a minha vida comigo. A verdadeira experiência reveladora da minha pele tem sido o entendimento da pele dos outros, o toque suave e ameno, o toque que pede licença depois de tocar, precisamente no instante seguinte a ter ultrapassado todas as fronteiras da intimidade. 

Ao entender o caminho dos outros, tenho chegado mais perto do entendimento do meu próprio caminho. É uma jornada de responsabilidade esta da cocriação, da participação ativa na vida daqueles que se cruzam connosco, aparentemente por acaso, tão certamente de forma intencional. É uma aprendizagem de toda uma vida a de nos reajustarmos permanentemente às conclusões, para novamente duvidarmos e, mais uma vez, questionarmos os porquês. No final de cada recomeço, chegámos um pouco mais perto, num passo mais à frente da posição anterior. Mais perto dos outros, mais chegados a nós.

Há uma magia especial na forma como permitimos fazer parte da vida uns dos outros sem nos darmos conta de que se trata de uma aproximação a um campo de verdade antes inacessível. A partilha de ideias, de palavras, de emoções, de desejos e de experiências é uma partilha de energia numa linha temporal infinita que vai eliminando espaços entre uma unidade que se apresenta separada. E é por isso que há tanta magia na partilha, porque, na verdade, não é uma partilha, é uma reunião  de caminhos de vida que se unem para criar uma unidade que só assim faz sentido, una!

Darmo-nos conta de como os caminhos se cruzam de maneira tão perfeita, sob a forma de sincronicidades destinadas a denunciar o porquê dos porquês, é uma visão privilegiada. É uma oportunidade de abraçar o destino com outro olhar, o olhar de quem vive sedento de se conhecer e experienciar a vida a um nível inexplicável e ininteligível. Mas abrir o caminho a conhecer uma verdade que não é nossa, que não nos diz respeito diretamente, mas que nos fala numa linguagem que reconhecemos de forma inquietante e no nosso íntimo, é transcender a autossuperação da essência humana. E, no fundo, é essa a janela através da qual vislumbramos a nossa caminhada, a caminhada de andarmos lado a lado com quem aceita que, sem pedir licença, toquemos a sua pele.


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